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Isabel Barros

Neste “jogo” as personagens sucedem-se rapidamente, anunciando um perfeito controle do seu movimento, ainda que este seja voluntariamente incerto. Sempre presente um estado de urgência, o sentimento de uma catástrofe possível e eminente, e simultaneamente todo o júbilo de aceitar o risco deste baile, em que a familiaridade dos encontros inter - corporais nos remete para um qualquer quotidiano agora visto sobre um prisma “dançante””.
Em cena um triângulo vai sendo definido por: Homem-Mulher de costas/ Mulher-Homem em acção/ Vestido de noiva pendurado. O Homem veste um vestido de mulher semi-aberto nas costas, a mulher inicia em lingerie e termina com uma casaca e luvas de boxe, passando entretanto pelo vestido de noiva, e na outra ponta do triângulo, paralelo ao Homem, está um vestido de noiva suspenso. Cria-se deste modo, uma trama paralela de motivações: a ambivalência de papéis na sexualidade e o peso da própria memória. O peso da memória é-nos sugerido quer por uma projecção video da mulher nos seus movimentos no vestido suspenso, quer pelas roupas que os intérpretes usam - as roupas não são uma qualquer pele, são objectos de luta (boxe) ou classificados (casamento). Em Eléctrica, é como se nos fosse fornecida um harmonia de circunstância, ou fatalidade, que vai lançando sinais de algo mais visceral. A mulher realiza sequências simples e geométricas em contraste com o som do seu respirar. Uma mulher numa acção sem-sentido em contraste com uma figura masculina-feminina que vai sonorizando estados: canta, sussurra, grita, estiliza - sempre de costas.
Duas coreógrafas, a israelita Yasmeen Godder e a portuguesa Isabel Barros, encerraram o ciclo “InContemporâneo”, integrado no festival “Invicta Cidade que Dança”. Embora geograficamente distantes as criadoras apresentam linguagens próximas em que o corpo assume o papel da forma onde se inscrevem conteúdos e o texto surge para ampliar as potencialidades de enunciação do movimento.

Yasmeen Godder apresentou duas criações: Tagidi Shalom Yaffe #2 ( say hello/ goodbye nicely), e Allena’s Wall. Em ambos os trabalhos é notória uma estratégia coreográfica reflexiva e mnemónica em que se “brinca” entre o visível e a interioridade; a aparência e o imaginário. Ao espectador resta aceitar a provocação de recuperar o gesto sobre a forma de memória.

Em Tagidi Shalom Yaffe #2 (interpretado por Yasmeen Godder e Amanda Loulaki) conta-se a história de duas mulheres, “cada uma no seu próprio mundo, e juntas no seu sentido de auto-destruição e desprendimento daquilo que as rodeia”, como refere a autora. Joga-se uma intimidade a um tempo pública e privada em que a “realidade dançavel” surge alicerçada em gestos quotidianos, em objectos significativos e simbólicos (como são as malas, os sapatos, as bonecas). O vestido, simultaneamente espartilho e libertador, serve como parábola de uma identidade feminina que se ensaia. Será esse mesmo “vestido – espartilho” que nos acompanha (agora sobre a forma de caixas de fósforos) em Aleena’s Wall. Neste solo, acompanhado por Margarida Mestre que lhe empresta a voz, busca-se mais uma vez a proximidade real da inter-subjectidade em que a vivência de situações quotidianas reinventa constantemente o acto de dançar.

Isabel Barros apresentou Cena 7 Screen 22, onde é evidente a opção estética desta coreógrafa ao explorar as possibilidades expressivas do cruzamento de diversas áreas artísticas como a dança, o teatro, a música. Em Cena 7 Screen 22, interpretado por Elizabete Magalhães, Sónia Cunha, Vera Santos, Edgar Fernandes, Miguel Teixeira, e com a cumplicidade da música de Carlos Guedes e dos textos de Regina Guimarães, assistimos à (re)encenação de um baile para várias personagens. Como nos avisa a autora “intérpretes e personagens saídos de Eléctrica(96), Screen 24 fracturas expostas(97) e Acidente de Automóvel cor de laranja 10 vezes (98), encontram-se num espaço como se tudo fosse simplesmente um jogo de manipulação de peças”. Neste “jogo” as personagens sucedem-se rapidamente, anunciando um perfeito controle do seu movimento, ainda que este seja voluntariamente incerto. Sempre presente um estado de urgência, o sentimento de uma catástrofe possível e eminente, e simultaneamente todo o júbilo de aceitar o risco deste baile, em que a familiaridade dos encontros inter - corporais nos remete para um qualquer quotidiano agora visto sobre um prisma “dançante”.

Em jeito de balanço deste “InContemporâneo”, promovido pelo Núcleo de Experimentação Coreográfica (NEC) no âmbito do Festival Internacional de Dança do Porto, é de salientar a forte adesão do público que encheu o Auditório do Teatro do Campo Alegre. Este festival prossegue nos dias 22, 23 e 24 deste mês com o projecto “Quadros de Dança”, onde serão apresentadas coreografias inspiradas na arquitectura do Teatro do Campo Alegre. O festival conta ainda com o projecto Sub-18 destinado a intérpretes mais jovens ( dia 25), e o espectáculo “Yô Yô” que estará em cena a partir do dia 26 no Solar dos Ferrazes.

É caso para dizer Invicta Cidade que Dança
Como é que nasce este Alugo-me para Sonhar e como é que se torna realidade?

Leio e escrevo muito antes de começar cada criação. Desde Lá où je dors, criada em 2002, e na qual o espaço era o espaço do lugar dos sonhos, sabia que teria de voltar, numa nova criação, a essa mesma temática e Lugar. Quis desenvolver esta ideia em partilha com uma cúmplice colaboradora, Helena Medeiros. Juntas trabalhamos durante muito tempo nas imagens e sobretudo nas criaturas que iriam habitar esse Lugar-Os Pássaros. A paixão pelos pássaros, o encanto dos seus gritos e a felicidade do voo foram o meu maior impulso na criação de histórias e construção deste Lugar. Após todo o trabalho de preparação prévio, comecei os ensaios com o músico, Jonathan Saldanha, e as duas intérpretes, Elisabete Magalhães e Luísa Brandão. Foi muito intenso e envolvente. A composição foi feita através de improvisação sobre os temas que sugeri e de uma forma orgânica as histórias do corpo e da voz foram nascendo até terem uma forma. O músico, sempre presente nos ensaios, foi criando em simultâneo com todo o trabalho das intérpretes.

Que trabalho envolve a concepção de um trabalho desta natureza do inicio até ao final? Que exigência aplica a si mesma?

Antes de iniciar faço todo um trabalho de pesquisa de materiais, textos, filmes, imagens, tudo o que considere que tem directa ou indirectamente a ver com o que vai ser criado. Quando começo os ensaios intuitivamente vou tomando opções mas sempre de uma forma muita aberta, como se não pretendesse chegar a nenhum fim, no sentido de obra acabada. Gosto de ver como os intérpretes se apropriam e transformam os materiais que lhes dou. Lentamente as imagens que habitavam silenciosamente o meu pensamento começam a surgir naturalmente. As pequenas histórias vão ganhando forma e chegamos a qualquer coisa parecida com um fim. Durante o período de ensaios, diariamente actualizo e renovo materiais, gosto de experimentar, e acabo sempre por deixar de fora muitas cenas e muitos momentos, aprendi que é fundamental não ficar com tudo. Durante esse tempo o meu olhar é profundamente atento, consumo cada segundo, e estou sempre muito inquieta no sentido de tentar encontrar aquilo que ainda não surgiu, mas que eu sei que existe e vai aparecer, acredito muito no que sinto em relação ao que cada intérprete é.

Quando é que tem a sensação que o espectáculo que concebeu atingiu os seus objectivos e ganhou vida própria?

Só quando o espectáculo é apresentado publicamente, posso perceber algumas coisas. Esse é o momento do teste, é exposto finalmente ao olhar. Nesse momento, também já tem vida própria, está em absoluto nos corpos dos intérpretes, já lhes pertence.

Alugo-me para sonhar segue as temáticas exploradas em trabalhos anteriores tais como “Quarto Escuro”, “Pó” e “Là Où Je Dors” ou seja, os lugares e as criaturas do espaço do sonho. Este é para si um espaço que gosta de explorar e voltar sempre?

Gosto da liberdade de criar afastando-me da ordem natural das coisas. Ao criar um Lugar povoado por criaturas diferentes das que encontramos no quotidiano, acredito perturbar a lógica, o peso, a natureza. Acredito provocar inquietação, perplexidade e sobretudo provocar a imaginação. Vejo a dança como um lugar privilegiado para perturbação dos sentidos. Sou fascinada pelo canto, acho que seria maravilhoso a comunicação dos humanos ser toda cantada, como se fossemos pássaros na terra. Nos sonhos posso e faço isso: ouço homens a cantar, vejo pessoas a voar, encontro mil criaturas diferentes e poderosas que depois desaparecem e só reencontro outra vez de novo Lá, onde durmo.

O título desta peça foi retirado de um conto de Gabriel Garcia Marquez. A escrita do autor combina bem com o sonho de que se fala nesta apresentação?

A escrita de Garcia Marquez nada tem a ver com a peça. Roubei o título, apenas porque o faço quase sempre quando tenho que decidir por um título. Para mim o título serve várias coisas. ALUGO-ME PARA SONHAR, podia ser o nome de um filme, de um quadro, de uma performance individual na rua, imagino uma mulher com um letreiro a dizer: alugo-me para sonhar. Os títulos são nomes que pretendem introduzir de alguma forma o primeiro contacto, neste caso achei este muito bonito, e para mim tem dois sentidos, por um lado remete para o sonho, que é a temática da peça, por outro tem um duplo sentido, nós ao fazermos um espectáculo de alguma forma estamos a alugar o nosso corpo para durante um certo tempo poder sonhar, e fazer sonhar, isto acho também muito interessante.

Aos seus olhos, como está a dança em Portugal? É um caso de vivência ou de sobrevivência?

A dança está mais fortalecida e madura. Hoje há estruturas diversas, criadas por coreógrafos, da minha geração, que da mesma forma que nós (balleteatro) fazemos, dão impulso a outros coreógrafos, e funcionam duplamente como referências e promotores de novas gerações. Há muitas e diversificadas poéticas. Há teatros, e como sempre ainda um longo caminho a fazer para que a circulação aconteça de uma forma eficaz. Há também uma estrutura, a REDE, que é composta por várias estruturas de dança contemporânea do País que tem contribuído para fortalecer e defender várias questões relacionadas com a dança em Portugal.

Em relação ao Balleteatro, que balanço faz da actual actividade da companhia?

Continua a ter uma actividade regular, apresenta duas criações novas por ano. É uma estrutura muito dinâmica que permite que os profissionais (intérpretes) e colaboradores, essencialmente da Cidade do Porto, e não só, possam trabalhar em projectos diversificados. Tem tido nos últimos anos parceiros como o Teatro Nacional S.João e Rivoli Teatro Municipal (até 2005), e procura actualmente parcerias que permitam continuar a ser referência. Paralelamente ao trabalho de criação, promove Residências, tentando criar cada vez mais um espaço de partilha e de fortalecimento da comunidade da dança no Porto.

Para terminar, o que é que o público do Auditório de Espinho pode esperar desta estreia no dia 17 de Novembro?

Vão ser os primeiros a descobrir uma criação feita por uma equipa apaixonada, com muito entusiasmo e cheia de vontade de partilhar rapidamente este Lugar. Nós alugamo-nos para sonhar, o público está convidado a entrar.

Isabel Barros Granja, 11 de Novembro 2007
Um dos princípios nas construções de Isabel Barros é a associação da interrupção e da fragmentação. Por um lado, os seus trabalhos expõem normalmente um conjunto de situações paralelas e/ou simultâneas, criando-nos um quadro fragmentário. Por outro lado, apresentam um continuum temático e coreográfico que é submetido a cortes mais ou menos bruscos. A repetição, a variação, a existência de um elemento que evolui no decorrer do espectáculo, contribuem para a noção de algo que prossegue para além da sua interrupção. Uma interrupção que pode ser dada por mudança de música, novos objectos, alterações de gestualidade ou de velocidade na acção. Assim como, os corpos em palco ao assumirem-se duplamente como performers e corpos sociais, contribuem para a (con)fusão entre o que permanece e o que finda. Por um lado, todos eles apresentam por norma um aspecto cuidadosamente tratado e produzem acções concretas, ajudando-nos a memorizá-los e a relacioná-los com momentos posteriores, por outro lado, não se vinculam a uma fisionomia e psicologia única. Estas quasi-personagens, nos trabalhos de I.B., com facilidade se desligam e se desprendem das suas relações ou acções. São intensos, mas evitam psicologismos. Criam a fractura para passarem rapidamente a um outro caso. Desta associação, interrupção-fragmentação, o que parece sobressair é a ideia de fim, mas de fim sem contornos porque algo deriva. À coreógrafa interessa-lhe sobretudo colher, ou se quisermos recriar, qualidades de um dado sentimento que após interrompido deriva por um espaço fragmentado como uma espécie de memória. Se de um sentido Trágico se pudesse falar nos trabalhos de I.B., ele passar-se-ia ao nível da contensão dos sentimentos mais exarcebados. Não existem normalmente, nos suas obras, sentimentos exaltados ou expostos como o ódio, carinho, vingança, aceitação. Curiosamente, o jogo passa por uma formalidade não tanto de composição, mas na escolha dos sinais e das matérias. As acções quotidiano, os objectos, as roupas são meticulosamente seleccionadas em função da clareza com que podem comunicar o modo de estar na modernidade, isto é, todos eles têm uma griffe. Os movimentos dos corpos em cena complementam-se pelo uso do tronco, centro de poder; e pelos movimentos mais suaves das extremidades. Na sua atenção e concentração do que é mais circunscrito - o potêncial, o momento, um caso-, a coreógrafa deixa emergir naturezas do feminino tais como, a geração e a matéria; secundarizando a perspectiva e a configuração. Características que se revêm no seu fraseado coreográfico onde se priviligia intensidades do movimento à sua variedade, gestos à espacialidade do movimento, acção à figuração, partes do corpo ao corpo harmónico, o inter-relacional ao colectivo. Às corpo-realidades criadas em cena pela coreógrafa, vem-lhes evidenciado e reforçado o lado sintomático, sincrónico, residual e textual. De gestos frágeis, rotinas, de contrastes de imagens entre o forte do músculo e do frágil da acção, da endurance e do embelezamento. E é aqui que as suas danças encontram a teatralidade e encontram o feminino num ambiente de alternância de humores, do criativo dos humores. Das micro histórias. O vestir e despir, por exemplo, funciona como uma espécie de pele portátil, que ilustra e que esconde, lança-nos nesse gesto caracterizador e de um feminino estereotipado. Mas há a registar também o jogo com a desconstrução (não oposição) de funcionalidade e não-funcionalidade das próprias vestes, cria uma dinâmica instável de perda e ganho de sentido do próprio acto (vestir/despir). Em Screen (1997), as bailarinas repetida e regularmente, vão escolhendo do guarda-roupa exposto a suas vestes, vestes desenhadas e que remetem para diversos fins. Através do vestir/despir, os corpos vão perdendo não a identidade, mas a possibilidade de identidade justamente porque ao vestir e ao despir vem-lhe retirado o carácter funcional, o do abrigo ou o do ornamento, e porque a própria “pele” vem desvalorizada ou efemerizada. De facto, no final elas atiram, brincam, espalham roupas por todo o palco. Estas acções servem a I. B. por um lado, a instabilidade no feminino, por outro, a procura do próprio feminino. O rapaz em Screen ajuda-nos a perceber isto. Ele está isolado apesar de estar no seio de mulheres. O rapaz observa as mulheres, procura o modelo. Mas qual modelo? Elas são instáveis, quase imaginárias. As mulheres (mães, irmãs, fadas) movem-se ora em danças sensuais ora em queda vertiginosa, desfiguram as suas caras, encenam continuamente novas situações mudando de roupas, transfiguram-se para anunciar outras "festas". Mas se em Screen, as roupas servem a instabilidade de uma identidade feminina, em Perigo de Explosão (1995), a troca de roupas serve principalmente a relação e a condição afectiva. Aqui, o mudar de vestes surge duplamente como elemento estruturante da coreografia - é através dele que a sucessão de situações se verifica -, e como elemento de materialidade social e afectiva - as mulheres, de um lado da cena, tiram as suas roupas-do-dia, tiram os soutiens, e vestem vestidos de noivas, e deste modo, revemo-nos rapidamente num outro contexto, o matrimónio. Contudo, não se trata do matrimónio enquanto cerimónia, mas da cerimónia do sentimento – pensemos nas noivas que desfilam ao som de uma marcha fúnebre de Purcell e despem até à cintura os seus vestidos. Esta transposição do que é manifestante de um sistema de civilização para atingir o plano dos afectos e dos rituais dos afectos, é aliás, um dos factores recorrentes no processo de I.B. . É através de manifestações e de encenações na vida que os corpos sugerem possíveis sentimentos em potência. Em Eléctrica (1996), é explorada uma síntese deste enunciado, mas também no Quarto Escuro onde se explora o lugar de um sentimento potencial: o Medo. Em muitos dos seus trabalhos assiste-se ao convívio entre o visceral, a superfície, a (não)relação. Por isso, também o Sonho tema importante para I.B. e que em Lá oú je dors (2002) se apresenta como o desfile às vezes surreal, às vezes circense, ou por vezes, um desfile metáfora de uma palidez e de uma evanescência de um corpo entre lá e cá. 
“[Là oú Je Dors] is a genre of surrealistic dance theatre steeped in a dream-like landscape, with fantastic spacial architecture. Choreography springs from the desires of the stage personnas as they build relationships. There is a delightful integration of circus, gymnastics and references to 19th century culture. And in the end, the work emanates beauty and imaginative play for audiences.”
No soneto “Correspondencias” de Baudelaire – magnífico manifesto e contra-manifesto da arte simbolista – o poeta propõe um novo desenho de floresta onde, perdido e achado como num conto de fadas, o homem colhe os ecos com os quais constroi a linguagem e as máquinas. Cabe-nos interrogar os ecos: serão eles reflexo da tal “tenebrosa e profunda unidade” ou, pelo contrário, ressonância das grandes brechas, projecções de um primitivo desajuste a que só o gesto pode restituir continuidade, talvez harmonia. E porque as máquinas nos falam sempre dos pressupostos da linguagem, pretendemos com este “gesto” afirmar ao mesmo tempo a floresta e o caminho, a implosão e a expansão de todos os signos.
A parede interior valter hugo mãe Os retratos que se fazem a partir desta parede cor de sangue são como fluxo contínuo, respiração da imaginação, livre evocação do que se quer presentificar, como se a realidade fosse sobretudo o que dela conseguimos fazer.
Imaginemos a realidade, poderia começar por dizer-se. Imaginemos que a realidade é o que imaginamos. Imaginemos que tudo era assim e que assim se poderia construir, como em fases distintas de um jogo de crianças, onde o bastante de uma situação permitisse passar a outra, sobretudo quando estejam esgotadas as suas questões, se definam as suas questões até ao limite, como o da morte.
Imaginemos que morte após morte podemos seguir mudando de quadro para um novo retrato do que é a realidade, do que somos nós, do que são os outros, como se no jogo nos fosse conferida nova partida, nova oportunidade para uma ínfima felicidade ou, dramaticamente, morrer sempre, morrer de modo diferente.
Entremos nesta peça como abrindo um leque de imagens em movimento que são elas mesmas predadoras dos nossos gestos, das nossas ansiedades e medos, imagens que catam em nós o que temos de quotidiano e o que no nosso quotidiano nos leva à excepção. Somos todos uma excepção num certo momento, todos atingimos um qualquer ponto de suficiência lógica a partir do qual entramos num insondável ou na ilusão. A realidade compõe-se também de ilusão e nós somos iludidos por cada coisa, especialmente por nós próprios, exceptuando talvez na inevitabilidade da morte. A morte é a imagem que pára. Aquela que, nesse jogo de gato e rato, nos caça e detém de vez por todas. Mas não aqui, no trabalho de Isabel Barros, aqui não nos pára definitivamente porque vamos desenrolando uma sucessão de hipóteses, uma sucessão de expectativas, de tentativas. Tentamos escapar. Tentamos encontrar no movimento e em tudo quanto possamos evocar um método para escapar, talvez sobreviver, talvez ser de novo, começar de novo, como outro, noutro lugar, para seguir vivendo e, na verdade, não morrer nunca.
A parede escarlate de Isabel Barros, que compõe retratos, pulsa, ela corre sangue como veia e imagina a vida porque é uma parede dentro do corpo, dentro da cabeça. Ela é projecção e tela de um filme de avanços e recuos em que alguém se procura e momentaneamente se encontra. É o todo da vida que se mexe diante de nós, colocando-se e recolocando-se como encaixando peças de um quebra-cabeças que vamos construindo na simples intuição de se estar vivo. Viver é isso, um quebra-cabeças tácito que resolvemos com maior ou menor destreza, mais ou menos conscientes de o estar a fazer, enquanto nos convencemos de que existimos por outros motivos, enquanto queremos dotar o tempo de uma espiritualidade ou uma importância tal que nos justifique as angústias, as perdas, o vazio, a precipitação para o fim.
Este trabalho de Isabel Barros é de uma beleza imediata intensa, cortante, feita de uma espontaneidade invejável, assente numa percepção inteligentíssima da liberdade do intérprete, que claramente pôde crescer dentro da narrativa encontrando o seu particular conforto. E este é um trabalho feito de três intérpretes rigorosos, expressivos dentro de uma contenção madura, muito bem conseguida, entre o esfusiante e o incómodo, entre o gesto quase geométrico e o gesto desmontado da diversão. Jaime C. Soares, também autor do texto que diz, Sónia Cunha e Carlos Silva souberam imaginar o que Isabel Barros imaginou, e de ilusão em ilusão fizeram a realidade de umas quantas personagens que se cansam no decorrer deste espectáculo. Cansam-se de quanto acontece, a ver se acontece outra coisa, a ver se o que acontece as leva a um fim diferente, se a morte não é o fim que se tem de imaginar, como se imaginar um fim pudesse ser regressar ao início ou, quem sabe, imaginar um fim fosse apenas a palavra de ordem para que o espectador se liberte e inicie ele próprio o jogo, com a sua própria vida, imaginando-se e criando-se como puder. Antes da morte, antes que a morte destrua o movimento e não possamos, todos, imaginar mais nada. Uma proposta brilhante destes artistas, a de nos obrigar a recomeçar.

PAN ÓRAMA debruça-se na construção de uma história de amor - história esta, que na sua simplicidade carrega o peso da existência, no hoje e no aqui.
Dois corpos, independentemente do género, começam por balançar objectos redondos - o mundo. Um mundo que se dilui, que se abre em pequenas narrativas desconstruídas e processadas pela vontade de ir mais longe, a um lugar que Isabel Barros tem vindo a trabalhar, o sonho. Este lugar que potência o surreal, o onírico, e muito o Poema.

A partir de um texto de Regina Guimarães, vão se desvendando percursos, quer sejam eles estranhos e distantes ou mais próximos de nós, e é nesta proximidade que nos revemos. O amor, é sem dúvida o ponto de partida mas nem sempre o da chegada - por vezes aqueles corpos levam-nos ao fim, ao da despedida por exemplo, ou ao da proximidade, aprendemos a tocar no outro sem o magoar, mas por vezes dói - faz doer, porque faz parte - o que seria do amor sem a dor? e claro, o que seria da arte sem a dor?

O palco é um lugar seguro para a criação de novos lugares, quando me refiro a novos, refiro-me a "outos". Pan órama é um exemplo: no curto espaço de tempo que se realiza o momento performático, aqueles corpos habitam a passagem do tempo e como consequência a dos lugares- Lá, onde habitam outros corpos e outras coisas (coisas que reconhecemos mas que nem sempre nos lembramos da sua veracidade). Nós e os outros, que também se amam, e que também chegam a um fim.
Pan órama acaba, porque tudo tem que acabar, tal como o amor, que quando chega ao final da linha, pára -  noto que parar não significa desaparecer.
Naquela história(s), fica a farinha depois do pão.

Flávio Rodrigues, 2011
 

Isabel Barros deveria ficar contida há vinte anos, como se de um objecto se tratasse, -à beira do desespero, pronta para se transformar na tensão que Albuquerque Mendes imaginou. De facto, há vinte anos que Albuquerque Mendes prepara uma coreografia, embora confesse que talvez esta nunca se realize. “Isabel deveria realizar passos de dança completamente contidos, gelados e a sua expressão deve ser rígida nos maxilares como as mulheres que eu via na Igreja de Trancoso, sem música, a colocarem (repare-se que não estavam a oferecer) flores nos cantos.” – Contava-nos ontem Albuquerque Mendes numa conversa dada no edifício Balleteatro no Porto. Houve sempre qualquer coisa na dança que sempre gostou, sem nunca a aprender, - talvez, diz-nos, se tratasse de um impulso sexual. Só que esta ideia sempre à beira de um qualquer cataclismo que Isabel Barros deveria interpretar, nunca chegou, antes de ontem, a qualquer coisa mais que uma conversa entre os dois artistas. A descrição começa. Isabel…Isabel Barros deveria vestir uma roupa característica dos finais do século XIX, calçaria umas botas castanhas-terra queimada, com gestos sempre muito hirtos, muito difíceis, mas retraídos. Gestos que nos remetessem simultaneamente para outros bailados. Seria, como o artista disse, a memória que ela tinha no seu próprio corpo. Sem querer, havia uma história, uma tradição nela. Não haveria música. Ou talvez houvesse, mais tarde, uns inócuos auriculares nos ouvidos de Isabel Barros para suportar todos os movimentos. O público não teria acesso. Mas, um pouco nervoso, Albuquerque Mendes confessa-nos que se assim fosse, necessariamente, o público interceptaria, procuraria desesperadamente ouvir a mesma coisa que a dançarina. (enquanto nos conta isto, vai passando músicas que o inspiraram na criação da coreografia: Nina Hagen, Adriana Calcanhoto, Amália Rodrigues e Vinicius em uma gravação inédita)

Isabel estaria vestida como se fosse uma empregada doméstica do século XIX, com um vestido que acabaria na cintura, um corpete que deixasse espreitar o umbigo e estômago. O cabelo estaria puxado para cima e a cara encharcada de pó talco branco. Os tiques – esses, nada teriam que ver com o aspecto serviçal que Isabel deveria vestir. Ela estaria como que à espera do carteira ou de qualquer coisa que transformasse a sua vida, mas sem som. Deveria deixar pousar na sua pele o fado de Lisboa. Todas as posições seriam muito em seco.

Este espectáculo é um drama, vem com todos os malefícios que a dança me trouxe. Acontece num tempo que não nos serve absolutamente para nada, pois nunca o vou fazer – mas consome-me, vejam os malefícios deste projecto em mim…há vinte anos. E imaginam o quanto esses vinte anos transformaram o corpo de Isabel? Isabel entretanto engravidou…e depois? Depois eu ia readaptando continuamente a sua forma às minhas coreografias. Albuquerque Mendes queria que Isabel Barros fosse quase tão monocromática como Ângelo de Sousa, muito simples, como um ecrã de televisão sem estar ligado. Mendes será sempre um artista figurativo, mas isto…isto é para mim o monocromático que o consome e que ele retrai contidamente como se estivesse à beira de uma explosão qualquer. Albuquerque Mendes seria a mulher no lago gelado, e Isabel Barros a pintora à espera de captar o seu lado monocromático em acto. E é por isto que penso que Deus existe – confessa-nos num tom de voz alterado do resto, por esta brecha, este espaço para darmos passos de mágica e misturarmos os ingredientes incomensuráveis, como a descoberta da maionese! Como o vinho…

Esta coreografia pensada ao longo de todos estes anos trata-se para Mendes de um desafio que lhe ocupa espaço e ouvem-se as castanholas da La Argentinita. Ontem em os Malefícios da Dança, performance de Albuquerque Mendes, o relato da coreografia por si pensada, depois de vinte anos, foi ouvida. Perguntas?! Não há perguntas.

Réflexion autour de Lições de voo [Leçons de vol] (2019), création du Théâtre de Marionnettes de Porto, dans une mise en scène d’Isabel Barros. Un spectacle qui part de la poétique de l’acte de voler et met en lumière l’animisme dans le théâtre de marionnettes. Scénographie et chorégraphie se côtoient pour créer un espace onirique, nous invitant à prendre des risques et à récolter les désirs de vol et d’utopie logés dans notre imaginaire.

Illusion et animisme
Le rêve du vol est, selon Bachelard, lié à l’instinct de survivance et au besoin de légèreté ressenti par l’imaginaire de l’être humain. Si l’envie de voler est pour la psychanalyse liée à l’expérience cathartique, dans le cadre de la création théâtrale, la relation entre vol et catharsis résonne, ouvrant les possibilités dramaturgiques.

Lições de voo [Leçons de vol] (2019) du Théâtre de Marionnettes de Porto[1] propose d’explorer la poétique de l’acte de voler, menant à une découverte des variations de la gravité et de la suspension des marionnettes et des manipulateurs/interprètes. La dramaturgie a eu comme point de départ une vingtaine d’illustrations de João Vaz de Carvalho, faisant suite à la collaboration menée en 2013, pendant la mise en scène de Pelos Cabelos. Parallèlement au spectacle, la metteuse en scène a réalisé des ateliers d’illustration et d’écriture créative avec des enfants à partir de l’œuvre de João Vaz de Carvalho.

Le spectacle, classifié pour plus de 3 ans, évoque un ensemble de mouvements et de paysages associés aux figures de l’air, explorant les différentes possibilités de vol par des animaux, des humains et des machines. Par contraste sont évoquées les formes d’enracinement à la terre. Les mouvements liés à l’acte de voler se voient décelés : osciller, flotter, sauter, brasser, enjamber, tomber. À leur tour, les images qui motivent le vol s’enchaînent, représentées par des dispositifs scéniques et des marionnettes : une rampe pour planche à roulettes, une machine à voler, un canard, des oiseaux, le bruit du vent.

Le spectacle, extrêmement visuel, donne cependant le juste espace à la parole, multipliant les possibilités expressives des voix qui se partagent entre le chant, le récit, la poésie et la recréation des langages imaginés pour les figures de l’air. À quelques endroits dans le texte, les interprètes utilisent le langage gestuel portugais, reprenant l’expérience entamée dans la création Como um carrossel (2017), recours qui intensifie la poétique du récit, ouvrant les possibilités narratives. Il s’agit d’un autre récit qui raconte une deuxième version de l’histoire, en articulation avec les marionnettes. Les onomatopées deviennent visuelles et le geste semble prolonger la manipulation des êtres imaginaires.

Le lien entre le rêve du vol et l’appel au voyage est tissé par des onomatopées qui s’associent aux bruits du vent et à des jeux de mots, tel que le tour de parole entre les deux personnages qui se renvoient la balle en répétant : « Vou ! Voa ! » [Je vais ! Vol !], où la marionnette d’une jeune fille avec les cheveux en l’air penchant d’un côté essaye de s’envoler. Emportée par le vent et par le souffle des voix qui témoignent du désir de voler, la jeune fille saute, hésite, oscille, marche maladroitement et tombe plusieurs fois avant de risquer le vol.


Paysages en mutation
Si les figures de l’air sont hybrides, les paysages surgissent, à leur tour, avec des repères symboliques qui nourrissent l’identité dynamique des lieux évoqués. Les paysages sont aussi des éléments en mutation et à peine ébauchés, afin de nous laisser l’espace pour imaginer le lieu onirique de l’action : une dune qui devient une rampe de planche à roulettes ; une montagne enneigée qui devient un aérodrome. D’ailleurs, le paysage est souvent évoqué par le mouvement et la configuration des marionnettes sur scène. Par exemple, ce qui nous permet de reconnaître la neige et de situer l’action sur une piste de ski vient du mouvement d’une drôle de libellule qui glisse dans le toboggan, soufflant pour maintenir son équilibre, en essayant de vaincre le froid. En outre, nous observons aussi le mouvement inverse, quand le personnage devient un élément du paysage : « J’étais déjà le désert » affirme Flyer, justifiant son besoin de partir.

Abu est un lieu imaginaire situé dans le désert, habité par une jeune fille qui s’amuse à raconter le nombre d’oiseaux qui passent et par son grand-père qui lui apprend son secret pour pouvoir s’envoler sans ailes. D’après sa formule magique, il suffit d’écouter le vent, en soufflant profondément. Cet endroit sans frontières se situe sur une dune, grâce à un dispositif scénique central qui est une sorte de toboggan géant où s’enchaînent les possibilités de parcourir l’espace sur une pente. Derrière, un tremplin soutient le jeu ludique de l’ascension. Cependant, le mouvement de légèreté du saut est aussi exploré par le contraste entre la gravité et l’errance. Au-delà du rêve de légèreté, de liberté et d’envol que l’on reconnaît dans l’esthétique de la metteuse en scène, on dirait qu’il y a tout de même un lieu obscur qu’elle est intéressée à explorer ici. Le parcours du toboggan est souvent une escalade qui renvoie à la chute. Ainsi, la rampe qui mène au vol et au rêve devient un espace cloisonné où il faut se battre, avant de ressentir plus intensément l’émotion du décollage. Dans l’espace scénique qui confine leurs mouvements, les personnages sont souvent confrontés à la verticalité, attirés successivement par le haut et par le bas, par l’envol et par la chute.


Utopie et métamorphose
La relation entre le vent et le souffle sera un lien conducteur de la narration et de l’esthétique du spectacle. Les images du vent sont recréées dans les ambiances sonores, les effets visuels et les voix qui soufflent, récréant le bruit du vent et le langage des oiseaux. Le vent et le souffle se matérialisent également par le mouvement des corps, explorant l’équilibre et le vertige en parcourant la dune, ou encore par les jeux de tremplin où les corps semblent insufflés dans les sauts et les chutes, par les figurines amples qui les rendent plus proches des créatures de l’air zoomorphiques des marionnettes.

La manipulation à vue amplifie l’effet de métamorphose inhérent aux marionnettes, ouvrant les possibilités de transformation des corps agrégés. L’acteur en interaction avec la forme animée multiplie les réseaux proxémiques, par la façon dont le corps actant occupe l’espace et se situe vis-à-vis de la matière. La visibilité de l’interprète face à l’objet manipulé expose sur scène les distances entre le corps actant et la forme animée, l’organique et le matériel.

Les marionnettes et demi-marionnettes sont des figures de l’air où les corps surgissent agrégés : une marionnette anthropomorphique voltige liée à un oiseau dans un corps-à-corps avec l’interprète. Les figures sont également placées en friction par leur matérialité, leur sonorité : le bruit des engins à voler contraste avec le chant des oiseaux. Les corps suspendus se voient aussi fragmentés : le haut du corps d’une marionnette décolle comme une fusée, tandis que ses jambes restent enracinées au sol, soulignant encore le contraste entre la gravité et la suspension. L’image du vol lié au rêve est explorée par ces deux mouvements contraires, nous situant dans un univers onirique qui accueille l’utopie et l’irréalisable. C’est dans ce sens qu’Isabel Barros se réfère à l’intemporalité des marionnettes, dont « les capacités illimitées ouvrent l’entrée dans le domaine du fantastique, de l’onirique. […] Avec la marionnette, le rêve ou les images des rêves peuvent être matérialisés » (Traduction libre).


Conclusion
La poétique du vol est un fil conducteur dans les spectacles d’Isabel Barros, identifié comme une source très chère dans son processus de création. Les marionnettes sont, dans son imaginaire, « des êtres de légèreté qui dessinent des poèmes par le mouvement. Libérées des contraintes fonctionnelles du corps humain, les marionnettes sont capables de transporter le public vers les lieux les plus surréels, touchant l’univers des rêves, notamment par le vol, ou par les suspensions dans l’air. » (Barros, 2015. Traduction libre.)

La présence des formes animées sur scène éveille l’interaction entre le visible et l’invisible. Avec la manipulation à vue, le marionnettiste joue en interaction avec la marionnette, découvrant les limites et les possibilités de son corps qui s’articule avec le corps fictif. Si l’acteur est en train de corporaliser l’objet (lui donnant vie), la matière est à son tour incorporée (faisant corps avec le comédien). L’objet avec son pouvoir de dissimulation et de transformation éveille de nouvelles capacités de perception, tout en explorant ses limites et formes de transgression.

À leur tour, les voies d’énonciation se complexifient avec la visibilité du comédien qui ne surgit plus dissimulé sur scène, mais en interaction avec la forme animée. Nous passons d’un acteur qui s’énonce en tant que Je suis caché pour s’affirmer visiblement dans un Je suis là. Les différents artefacts utilisés altèrent les réseaux spatiaux et proxémiques de l’acteur avec la forme animée.

Si les rêves, et notamment ceux qui convoquent l’image du vol, nous permettent de sonder l’âme et les carrefours de notre perception, les marionnettes sont des intermédiaires privilégiés pour nous inviter à déformer le réel et oser les vols d’utopie. Par leur pouvoir d’illusion et d’animisme, elles nous lancent le défi de franchir les limites de l’imaginaire et les possibilités de la représentation. Les modalités du langage et les réseaux narratifs se multiplient par la double présence des marionnettes et des interprètes en manipulation à vue. L’animisme inhérent au théâtre de marionnettes nourrit notre imaginaire par son pacte de métamorphose des matières en transformation.


Références
Bachelard, Gaston (1990). L’air et les songes. Essai sur l’imagination du mouvement. Paris : José Corti.

Barros, Isabel (2015). « Intérprete Espectador ». 15 años. 15 testemunhos Edição FIMFA Lx15 in Programme FIMFA Lx 15 (Consulté le 16/10/2020)

Barros, Isabel. « A intemporalidade das marionetas » Historique du Théâtre de Marionnettes de Porto (Consulté le 16/10/2020)

Levé, Édouard (2005). Autoportrait. Paris : P.O.L.

Yourcenar, Marguerite (1976). L’Œuvre au noir. Paris : Gallimard.

 

Um dia acordamos e a cidade tinha um ponto.

Como uma janela que se abriu para uma paisagem imensa e plena. Como um olhar que se espantou a ver.

Como uma criança grande a saltar de um lado para o outro.

A cidade que sempre soube resistir, que aguentou, que teve esperança, essa cidade um dia venceu.

Foi nessa cidade que nasci, cresci e trabalho. É aqui que encontro o meu sentido de missão, o propósito, o compromisso na construção.

Hoje, a cidade é o sonho tornado realidade, ou a realidade tornada sonho.

É inevitável neste primeiro texto do ano de 2016, falar de luz, falar do ano da luz que agora termina, e de como ela tão bem se espalhou pela cidade.

É inevitável falar de uma Câmara Municipal, que com enorme paixão e trabalho, tem demonstrado o que pode ser uma Cidade na sua dimensão alargada.

O Porto é uma cidade ponto. Uma cidade com marca, com carisma, onde todos encontram o lugar. Cidade profundamente rica e plural.

É nesta cidade que queremos habitar e alargar o futuro. Sem perder a memória, resgatando toda a força do passado, do que foi lenta e invisivelmente construído, rendilhado de forma preciosa e que no presente se transformou numa perfeita tela flexível e poderosa, capaz de abraçar e projetar futuro.

No primeiro dia do ano, ao som da chuva, consigo imaginar mais um ano cheio de um brilho Azul  do Porto ponto.

Janeiro de 2016
Texto publicado originalmente no site Porto 24

Há datas cheias de brilho, são datas que pontuam a vida e nos lembram o seu valor. Dia 3 de Fevereiro é uma dessas datas. Dia do 3º aniversário do Museu das Marionetas do Porto e da pessoa que o sonhou João Paulo Seara Cardoso (1956-2010).

O Museu das Marionetas do Porto é um museu de autor, situado no Centro Histórico do Porto e com uma relação especial com a Cidade e com a comunidade, com a qual tem feito projetos de criação criando assim uma relação de proximidade.

Desde 2010, a reflexão sobre o que pode ser um museu hoje, tem sido uma das ideias presentes no meu trabalho.

De muitas cidades que visitei, trouxe sempre comigo as imagens e as experiências dos museus, das igrejas, dos teatros, das praças, das avenidas, como peças fundamentais na construção da identidade de cada cidade.

Os museus são lugares de contemplação, de encanto de descoberta. São lugares de silêncio e de felicidade. São lugares para percorrer em solidão diria, para que o nosso corpo tenha oportunidade de escolher e experimentar uma relação de amor e desprendimento. Uma peça exposta pode nos comover e isso é tocante.

Ao olhar o tempo para ali. Podemos ficar todo o tempo num ato de entrega, apenas uma condição, partirmos com mais intensidade e permitirmos que tudo permaneça da mesma forma, numa absoluta exaltação do belo.

Em Outubro de 2015 participei nos Encontros de Outono - Os Museu face à Crise económica na cultura: desafios e estratégias, organizados pelo ICOM e Museu Municipal de Penafiel.

Durante esse encontro muitas reflexões interessantes foram feitas, mas houve uma frase que me ficou mais presente: A Crise passa os Museus ficam. Achei curioso e profundo. Como se os Museus pudessem de alguma forma encontrar com muita imaginação e trabalho formas de resistir para que a crise na sua passagem devastadora não apague tudo, permita que algo possa permanecer para que a memória, esse lugar sensível não nos deixe escapar.

Essa frase, fez-me viajar de novo à reflexão da importância absoluta dos Museus, na sua capacidade de contagiar, no lugar pertinente dos museus hoje.

O Homem do século XXI precisa talvez cada vez mais de ter lugares assim. Lugares onde se possa encontrar, revisitar e inventar como homem.

Hoje os temas na arte são muitas vezes quase colados aos da vida quotidiana e surgem museus inesperados, como o Museu das Relações terminadas: a arte do fim do amor, Museum of Broken Relationsships em Zagreb, na Croácia. Este facto é bem revelador de uma aproximação da arte ao quotidiano e da absoluta necessidade do Homem inscrever a vida e registar as formas da sua passagem, mesmo quando o fim é ainda um ato de Amor.

Fevereiro de 2016
Texto publicado originalmente no site Porto 24

Todas as estações têm um encanto especial, a Primavera tem o encanto do canto dos pássaros e do reflorescimento da flora terrestre.

Voltar a nascer, a crescer a brotar. A Primavera faz-nos acreditar no poder da renovação, da beleza do começo como uma promessa de vida. Ela chega com o mês de Março que agora se inicia e além do sol, dos pássaros  e das flores lembra-nos que alguns dias são dedicados a coisas e causas muito especiais. Alguns exemplos deste mês: dia da vida selvagem, do ténis, do rim, do Pi,  da poesia, das marionetas, da árvore, do teatro, da páscoa. É sobre a celebração desses dias que reflito agora.
Como os dias de aniversário, os dias mundiais e os dias nacionais são momentos importantes para lembrar e nos deixar a pensar muitas vezes sobre temas que nos parecem distantes, e que algures os vamos acabar por tocar.
Para quem tem crianças e as ajuda a crescer, esses dias podem ser propósito para aproximar de coisas da vida de uma forma natural.
Por entre estes dias há alguns que podem conter uma extrema tristeza, que apesar de bela, não deixa de ser perturbadora. Falo no caso de Março, do dia do Pai, pensando também no dia da mãe. Acredito que nesses dias haja  muitas crianças e adultos que em silêncio ou em choro exprimem a ausência, seja pela perda, da morte, seja por outra razão.
Todos queremos dizer ao mundo aquilo que desde pequenos nos ensinam: - Mãe, és a melhor Mãe do Mundo! - Pai, és o melhor Pai do Mundo! E tantos outros calam as mesmas frases, sabendo dessa forma encontrar o Amor que refloresce a cada dia que passa. Não faço nenhum julgamento sobre a pertinência desses dias, sei que para os que têm pais e para os que não têm serão sempre dias de Amor, só por isso e apesar da extrema tristeza como referi, o propósito pode ser o mesmo, falar ao ouvido, baixinho, que a vida é como as estações do ano, e a cada início um novo canto.

viva a primavera
dedico este texto às minhas filhas


Março de 2016
Texto publicado originalmente no site Porto 24

Dia 3 de Abril é o primeiro ensaio de mais um Romani, espetáculo que terá agora uma segunda versão. A primeira estreada no dia Mundial da Dança de 2015 teve uma maravilhosa receção do público que esgotou a sala Suggia da Casa da Musica.

Romani é um espetáculo que parte da identidade da comunidade cigana. Interpretado por bailarinos, músicos, técnicas dos bairros do Seixo e Biquinha e um grande número de pessoas de etnia cigana.

No palco, cerca de cem pessoas celebram a vida e a arte cigana, através da dança, da música e da religiosidade, numa criação que acima de tudo pretende dignificar uma cultura distinta.

O que fica em nós e o que levam os outros de nós em cada encontro?

É essa a pergunta que me fiz, agora antes de iniciar mais uma vez este trabalho tão especial.

Começo pelo fim, não sei o que ficou de mim em todos os que ao longo de vários meses, em cada ensaio de domingo se cruzaram neste trabalho, sei o que ficou de cada um em mim.

Em mim ficaram os olhares desconfiados, mas lentamente conquistados e felizes. O ar orgulhoso de existir. A cumplicidade do grupo. A inconformidade e a rebeldia boa.

Ficou o sentido de Festa, que já existia, mas que se redescobriu. Ficou a festa como prova de vida, como lugar onde a alegria e a tristeza são reconhecidas, sem negação. A Festa, como o lugar de exaltação do corpo no sentido de afirmar tudo o que é bom e tudo o que é mau de uma forma inteira.

Cada ensaio finalizou sempre com uma espécie de festa, uma festa pequena que foi crescendo e se tornou numa festa maior, muito maior, a festa de existir.

Naquele dia fomos todos ciganos, e aqui estamos de novo para voltarmos a ser.

Abril de 2016
Texto publicado originalmente no site Porto 24

ROMANI 02, teve estreia a 18 de junho de 2016 na Praça Guilhermina Suggia em Matosinhos. Integrado na programação de Matosinhos- Capital do Eixo Atlântico.

Precisei de um sonho

Demorei mais um dia, precisei de um sonho para terminar um texto.

Preciso sempre dos sonhos para criar, para escrever, é através deles que convoco a memória e encontro o sentido para construir e pensar futuro.

Nos últimos dias, a intensidade das coisas do presente, trouxeram imagens de exceção, imagens resgatadas à memória a propósito da cidade e da dança na cidade.

Escrevo este texto em pleno festival DDD Dias Da Dança que envolve as Câmaras das três Cidades Porto, Matosinhos e Gaia.
Um Festival que une vários parceiros numa grande cumplicidade artística.

Durante estes dias, mergulhada entre a dança que percorre as cidades danço primeiro e penso depois, a ordem natural segundo Samuel Beckett, que partilho em absoluto. O movimento do corpo que se estende para além de si, e que nessa extensão leva quem passa mesmo que sem intenção.

Sempre encontrei na cidade inspiração através do movimento incógnito dos corpos, sempre os imaginei atravessados por outros movimentos extra quotidianos, sempre olhei o espaço urbano como matéria, tudo isso me motivou a criação de um momento especial dedicado à dança e à performance para o espaço urbano.
Assim surge em 2013, o mais pequeno dos Festivais que criei: Corpo + Cidade, este ano, incluído no grande Festival DDD- Dias Da Dança. Curiosamente, Corpo + Cidade é o mais recente, o mais pequeno, mas contudo o que faz mais sentido para mim hoje, pensando a cidade atual neste trabalho coletivo entre as várias estruturas que operam na cidade, nomeadamente com o funcionamento pleno do espaço maior para a dança, o Teatro Municipal do Porto Rivoli.Campo Alegre.

Entre 1998 e 2001 criei e programei o Ciclo Movimentos que, entre outros, trouxe pela primeira vez ao Porto Jérome Bel, Mathilde Monnier, Xavier le Roy, Hans Hof Ensemble, Josef Nadj, Mark Tompkins, Jo Fabien, Georges Appaix, Kinkaleri, Raffaella Giordano.
Em 2001, numa colaboração com o Teatro Nacional S.João fiz uma programação de grande fôlego, a maior e a última, uma vez que logo a seguir a cidade teve uma abrupta política de recusa em relação à Cultura.
Na mudança, neste caso na excelência da mudança politica recente, a Cultura volta a ser amada, e invade a cidade devolvendo todo o trabalho dos artistas que de forma resiliente não desistiram do seu lugar na cidade.

Na passagem para o Edifício Axa, com o apoio da Porto Lazer/CMP, celebrando 30 anos de balleteatro, com Flávio Rodrigues, bailarino e coreógrafo iniciamos a nova aventura de programação com um nome CORPO + CIDADE. Esse festival que faz da rua, das praças e de cada lugar uma paragem e provoca os sentidos. Esse festival que é a extensão do trabalho que se realiza a partir de um novo lugar, onde o balleteatro é estrutura Artística Residente, refiro-me ao Coliseu Porto, hoje, um grande palco, um palco que se estende até à rua e abraça a Cidade.

Precisei de um sonho para terminar um texto, que não termina aqui, tudo está sempre a começar, essa é a beleza da vida.

Maio de 2016
Texto publicado originalmente no site Porto 24

Junho é mês das Festas da Cidade. O Porto atinge a plenitude e a noite de S.João é o pico, a cidade toda está na rua e os cheiros típicos também.

Todos anseiam pela festa, a festa da abundância, da ousadia, de uma certa libertação.

Bate-se com o martelo na cabeça de quem passa, e de repente um sorriso inesperado acontece. Salta-se a fogueira, compra-se um manjerico. Convidam-se amigos para as famosas sardinhadas, e os vegetarianos comem broa, batatas e pimento assado. Brinda-se com muito vinho, tinto de preferência. Soltam-se os balões que parecem levar desejos, caminha-se até ao mar.

A festa da cidade de verdade acontece, porque a tradição atravessa o tempo e tem sido acarinhada.

Das festividades fazem parte também as famosas Rusgas de S.João, na qual todas as freguesias e União de Freguesias participam, e é um ponto alto da Festa, as Rusgas são uma tradição de 1957, recuperada pela Câmara Municipal do porto há alguns anos.

Em 2014, fiz parte do júri das Rusgas de S.João, foi um prazer enorme e uma tarefa difícil.
É a cidade a cantar e a dançar para si com o orgulho de cada bairro, de cada lugar, trazendo para fora o que ao longo de meses é genuinamente preparado. De tema livre, cada rusga mantem um traço tradicional ligado à história do Porto, tudo de forma original.
Para quem nunca assistiu, aconselho, é o Porto que ali passa de alma inteira. Como se fosse fogo humano que arde vendo-se, que exalta, sentindo-se.
É o Porto.

Nesta cidade tão bela
Há uma festa assim
Mesmo ficando à janela
A festa chama por mim

Junho de 2016
Texto publicado originalmente no site Porto 24

Vista do céu a terra é um poema para mim. Vista daqui, a terra é um lugar sensível, desprotegido mas de uma força invulgar. Nela há lugares que sobressaem pelas histórias que sabem contar. Em muitos lugares distantes já encontrei o paraíso, um dia num desses lugares uma mulher negra, muito sábia disse-me que cada um tinha o seu paraíso e que em todos os lugares havia um. Essa imagem prosseguiu-me durante algum tempo.
Hoje percebo bem o que aquela mulher dizia. Hoje olhando do céu vejo poemas, são pequenos paraísos soltos.

Um poema na terra, pode ter muitas formas, tenho encontrado isso mesmo em diferentes momentos num lugar especial, o Porto. A possibilidade de experimentar a cidade em situações muito diversas, permite criar imagens novas que renovam a vivência do lugar.

Hoje a cidade é um poema. É um poema de Amor que se constrói a várias mãos, com a delicadeza do gesto.

Hoje na cidade há coisas que não se podem perder por preciosas que são. Escolho uma, por ser um programa relativamente recente e que ainda pode ser acompanhado até Dezembro. Elejo: Um Objeto e seus discursos por semana, por ser uma forma maravilhosa de descobrir a cidade através de objetos. Tenho acompanhado como público e em Junho também como convidada, e das duas formas encontrei uma razão para eleger este programa, porque nos permite criar uma nova cartografia da cidade através dos objetos e dos lugares. É uma experiência sensível através da qual nos aproximamos da história, da magia, das histórias e saímos sempre mais ricos.

E assim, numa espécie de Zoom até alguns pontos da cidade novos poemas podemos criar.

Aqui fica o convite, o acesso é gratuito.

Julho de 2016
Texto publicado originalmente no site Porto 24

De cada vez que partimos do Porto levamos a cidade inteira no coração.

De cada vez que voltamos, sentimos que mudou, sendo a mesma em todo o seu esplendor.

Como diz Agustína Bessa Luís: “Vivo aqui, mas o Porto não é para mim um lugar; é um sentimento", partilho em absoluto as suas sábias palavras. o Porto tem essa magia dos sentimentos, cresce connosco e liga-nos sem nos prender. 

Um destes dias, perguntaram-me quais os cinco lugares que mais gosto no Porto, a ideia era responder sem pensar demais. A minha resposta foi: Avenida dos Aliados, todo o Centro Histórico, a Cantareira, o Parque da Cidade e a Pérgola da Foz, se fosse preciso referir mais lugares, teria muitos para referir, estes desenham um possível itinerário que tenho o privilégio de habitar quase diariamente, nem que seja de passagem.

Se eu tivesse de fazer um jogo da Glória, a casa nº 1, a da partida, seria a Av.dos Aliados, onde actualmente nos sentimos como se estivéssemos na sala de estar da cidade. Ali, ouvimos grandes concertos, brindamos a passagem do ano, tantas e tantas coisas, até vemos futebol, sentados no chão com as estrelas no céu a brilhar.

Este texto tinha como primeiro título: Juntos e Aliados, e iria começar com o relato do dia 10 de Julho, em que pela primeira vez estive sentada na placa da avenida, a ver um jogo no meio da multidão, entre palavrões típicos de desconhecidos e genuinamente tripeiros. Juntos e Aliados, era esse o sentimento maior, que unia os portugueses naquela noite quente de Verão. A vontade colectiva de vencer parecia incendiar o céu.  

Precisei de todos estes anos para me sentar ali, a fazer algo pouco usual, ver futebol no meio da multidão e sentir uma cidade vibrante na sua afortunada diversidade, uma cidade sem complexos e extremamente viva.

É curioso como um lugar de passagem se transforma num lugar de estar e como regressando ao seu estado habitual, retoma as dinâmicas sem nada perder.

O Porto é não é um lugar, O Porto é uma forma de estar.

Agosto de 2016
Texto publicado originalmente no site Porto 24

A festa do silêncio seria para mim um título possível para a grande festa dos livros, aquela que inaugurou dia 2, na Avenida das Tílias no Palácio de Cristal. Este ano, com o tema Ligação, a Feira do Livro do Porto irá oferecer aos visitantes uma vez mais tantas e tão diversas descobertas. A Ligação entre as palavras e todos os universos possíveis, mesmo que aparentemente mais improváveis, conduzirá a Feira. As palavras soltam-se e movem-se por ali como matéria flexível, capaz de assumir diferentes formas.
Confesso, adoro a Feira do Livro neste novo lugar, a Avenida das Tílias, na qual se realiza desde 2014.

Gosto da força como se instala e contamina, ligando tantas coisas, transformando a Feira num grande lugar de encontro para todos.

A Feira, será sempre uma celebração dos livros, das palavras, capaz de um gesto maior, o de lembrar quão especial é hoje e talvez cada dia mais, ter um livro nas mãos e poder através dele descolar.

Como Ruy Belo, eu também amo as árvores, principalmente aquelas que dão pássaros. Na Feira do Livro do Porto as árvores que também dão pássaros, desde 2014, lentamente dão nomes.

Que bela forma essa de inscrever e homenagear os autores.

Viva a Festa do Silêncio

Setembro de 2016
Texto publicado originalmente no site Porto 24

Numa tarde de Outono, as cores invadem o meu pensamento.
Se perguntar qual a cor do Porto, creio que é para quase todos, azul.
Azul do mar, do céu, da marca Porto.
Hoje azul é também a sua identidade gráfica. Viver no Porto é viver numa cidade de cor imaterial, uma espécie de pintura entre o céu e a terra. Acredito que através dessa cor tão profunda, temos sabido encontrar o futuro, de forma harmoniosa.
E uma cidade azul também pode ser verde?
– Sim!!!
Sim, responde a alma azul.
O Porto é cada vez mais um lugar verde, de um verde profundo, de mudança em direção a uma maior atenção e consciência pela natureza, pelo futuro.
O verde é a cor do reino vegetal, a cor que nos devolve a esperança.
Hoje a cidade tem estratégia para o ambiente. Cuidar do ambiente é talvez a maior caricia que podemos fazer, um grande gesto de amor e de atenção com o futuro.
A cidade, tem revelado um olhar muito atento com o Ambiente.
A educação ambiental, uma questão fundamental que para alguns ainda parece algo doutro planeta, começa a ser algo concreto.
A eco-agenda, editada pela Câmara Municipal do Porto é um guia para estes assuntos. Nela encontramos informações sobre as estratégias, sobre serviços, sobre formas simples para tratar assuntos concretos, por exemplo indicações sobre compostagem caseira, contactos úteis, entre outras coisas e ainda lembrança de dias importantes para estas causas.
Viro a página da minha eco-agenda, para preparar a semana e encontro uma frase sobre o mês que agora começa:
Outubro quente traz o diabo no ventre. Sorrio e fico a pensar…
Que bom nascer numa cidade verde, com alma azul, num dia castanho.

Outubro de 2016
Texto publicado originalmente no site Porto 24

Novembro é o mês do Futuro no Porto, com um Fórum do pensamento que cria um espaço privilegiado à reflexão.

Ao pensar neste tema, recordei um texto que fiz para as conferências do futuro a convite do Fantasporto em 2012. O texto que agora escrevo é inspirado na minha reflexão e participação enquanto oradora numa dessas conferências.

O Futuro é um tempo que ainda não chegou mas já aqui está a ser antecipado, planeado, programado, imaginado…como numa brincadeira de criança, esse, este momento é talvez sempre o mais peculiar pela tensão que existe ao preparar, ao imaginar que vamos conseguir surpreender, vamos criar impacto, vamos Acontecer!

– Ainda não! Esta é uma das frases preferidas de uma criança, ou de um adulto quando se prepara para criar um efeito de surpresa, quando está antes da acção. E o ainda não é o tempo que não chegou mas é quase já Futuro.

O Futuro é um lugar mágico onde tudo ainda pode acontecer, e quanto mais belo tiver sido o passado mais mágico podemos imaginar o Futuro…

Há no futuro uma infindável margem de possibilidades, que se pensarmos são consequência de muitas decisões que hoje tomamos. Ainda não! Talvez fosse a expressão mais feliz para criar espaço de reflexão antes de agir. Ainda não! permite que Ainda sim! que é, Agora sim! A ação no presente que melhor vai deixar o futuro.

E o FUTURO será entender e ter passado, é na minha opinião esse o motor para a constante renovação, isso é a beleza das coisas e da vida. Olhar em frente sem perder de vista o que nos trouxe até aqui.
A existência de novos meios, de novas disciplinas, criou novas poéticas, essa renovação constante faz com que os dias não sejam iguais e criam futuro permitindo-nos sempre imaginar.
e
IMAGINAR É AUMENTAR O REAL EM UM TOM
GASTON BACHELARD
e assim antes do futuro acontecer eu digo Ainda Não!

Novembro de 2016
Texto publicado originalmente no site Porto 24

Porto. É o texto de despedida de um ano que termina e de um ciclo que encerro, pelo menos temporariamente. Ao longo de 2016 escrevi um texto por mês, inspirada pelo lugar, pela cidade onde cresci e onde todos os dias descubro o novo, como se tivesse a clara impressão de um futuro que está sempre para lá de nós.

Nesse futuro tento participar, de uma forma diria quase missionária. E é bom ver uma cidade florescer.
Hoje escrevo com luzes no coração, a pensar no Natal, essa época originalmente dedicada ao nascimento anual do Deus Sol, tão especial e tão delicada que provoca facilmente um misto de alegria e tristeza.

A Câmara Municipal do Porto inaugura dia 1 de Dezembro as luzes de Natal e em simultâneo a Árvore será erguida em frente aos Paços do Concelho.

Com a estrela no topo da Árvore, ela atingirá 30 metros de altura e fará o encanto de todos que por ali passem ocasionalmente ou propositadamente. A Árvore será o lugar de encontro de um sopro de Natal vivido em comunhão pública.
O branco quente, dourado e os pormenores azuis farão uma decoração azul sobre ouro, e irão vestir a cidade de um encanto especial.

É Natal e o brilho provoca a fraternidade, a comunhão o bem-estar, e uma cidade também é isso, esse sentido de união, de abraço coletivo.

No meu primeiro texto de 2016 terminei com esta frase:
No primeiro dia do ano, ao som da chuva, consigo imaginar mais um ano cheio de um brilho Azul do Porto ponto.
Neste último texto do ano, termino assim: no final deste ano, ao som da chuva, despeço-me dos leitores com um abraço azul céu, a pensar numa cidade que é um sentimento mais que um lugar.

Obrigada Porto 24
Obrigada, a todos, feliz 2017

Dezembro de 2016
Texto publicado originalmente no site Porto 24